ExperimentaDesign: Vamos ter um jardim com uma casa na árvore


Por Alexandra Prado Coelho
in Jornal Público

"A ExperimentaDesign 2009 aceitou um desafio da Câmara de Lisboa para revitalizar um jardim da cidade. Juntou uma equipa e repensou de cima a baixo o Jardim de Santos. Plantas tropicais, música feita a partir do ecossistema, uma casa na árvore para vermos o Tejo. Um jardim - transformado por designers - como Lisboa nunca teve. O P2 revela como vai ser

Imagine um jardim para si. Uma casa no topo de uma antiquíssima árvore cujos ramos ao longo do tempo se foram estendendo como cabelos de bruxa revoltos pelo vento. Pode subir até lá acima, sentar-se no topo da árvore e ver o Tejo. E depois descer e entrar na cafetaria, consultar informação sobre os espectáculos que pode ir ver nesse dia, beber um sumo, comer alguma coisa.
Imagine um jardim onde, num determinado ponto, e só aí, pode ouvir música programada por um artista a milhares de quilómetros de distância, noutro ponto do mundo. Gravados nas árvores, à volta, estarão sinais - como nomes de namorados inscritos um dia em segredo - que indicam onde fica o quê na zona. Imagine que no chão há jogos para crianças em que o velho berlinde se mistura com o imaginário dos jogos de computador, que o cheiro de plantas tropicais enche o ar, e que à noite uma luz quente transforma o jardim numa festa ao ar livre.
Por enquanto nada disto existe - ou melhor, existe apenas nos projectos, ideias e desenhos da equipa que a bienal ExperimentaDesign 2009 reuniu para o projecto de reabilitação do Jardim de Santos, em Lisboa, e que serão apresentados numa exposição no próprio jardim no dia 9 a partir das 19h30. O que se espera é que, terminada a intervenção (um desafio que partiu do vereador dos Espaços Verdes, José Sá Fernandes), o velhinho Jardim de Santos, ensonado durante o dia e rodeado de animação à noite por causa dos espaços que nos últimos anos foram abrindo na zona de Santos, se transforme num novo jardim - com casa na árvore, música, sinais nas árvores, jogos no chão e cheiro de plantas no ar.
Uma das grandes mudanças será a alteração no trânsito (já aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa): os carros deixarão de passar pela rua em frente ao teatro A Barraca (mantém-se apenas a passagem dos eléctricos), passando a contornar o jardim, que será alargado até aos edifícios.
Este é, nas palavras de Guta Moura Guedes, a directora da ExperimentaDesign, um projecto de intervenção urbana "de chave na mão", ou seja, a proposta foi aprovada pela câmara mas toda a responsabilidade pela concepção e execução é da Experimenta. A equipa convidada é composta por João Gomes da Silva (arquitectura paisagista), Fernando Brízio (design de equipamento), Pedro Ferreira e Rita João/Pedrita (design de equipamento), Rui Gato (música e sound design), José Álvaro Correia (design de luz), e António Silveira Gomes/Bárbara Says (design de comunicação).
O projecto - que, entre outras coisas, pretende mostrar como o design pode ser usado para melhorar os espaços públicos - está orçamentado em 1,2 milhões de euros, sendo o financiamento também da total responsabilidade da Experimenta (que reuniu um consórcio com vários parceiros e patrocinadores). Quando o trabalho estiver concluído, a manutenção do jardim passará para a câmara, enquanto a manutenção dos conteúdos (informação, música, etc.) continuará a ser responsabilidade da bienal.

O jardim
A discussão sobre a identidade deste jardim (Nuno Álvares, de seu nome oficial) foi o ponto de partida para tudo o resto. O que João Gomes da Silva, arquitecto paisagista, propôs foi devolver-lhe o seu "carácter exótico e único", que vem da acumulação da "matéria da memória colonial" com "árvores de nomes estranhos, formas da estepe africana ou da floresta brasileira". E, ao mesmo tempo, "abrir o jardim à luz e ao espaço que o circunda, mas criando zonas de maior intimidade e serenidade". Tirando as grandes árvores, com a passagem do tempo o espaço foi sendo ocupado por vegetação que já não tinha nada a ver com o jardim original. Por isso, o arquitecto paisagista defendeu a necessidade de devolver "a exuberância cromática, de cheiros, de alegria" de outros tempos. E no centro do jardim surgirá "uma clareira de relva côncava, rodeada e coberta por raras plantas exóticas".

A casa na árvore
Desde o início que "toda a equipa estava fascinada com aquela árvore" no centro do jardim, conta Guta Moura Guedes. Por isso foi muito bem recebida a proposta do designer Fernando Brízio para que os frequentadores da zona pudessem ter aquilo com que qualquer criança sonha: uma casa na árvore, onde, neste caso, "se pode estar ao nível dos ramos e ver o rio".
A parte de baixo deste novo equipamento do Jardim de Santos terá uma cafetaria (com painéis de vidro amovíveis, podendo ser totalmente aberta quando está calor), esplanada, um espaço de venda de livros e revistas, e um ponto de informação sobre o que Lisboa pode oferecer na área da cultura contemporânea, para além de zonas de criatividade interactivas e lúdicas.
A "casa" será em metal, com a plataforma suspensa implantada em torno da árvore, junto aos ramos (a uma altura de 3,30 metros), longe do barulho, e ligada ao chão por três escadas. Dentro da plataforma, que é aberta mas tem pequenas "paredes", haverá bancos de cortiça onde as pessoas se podem sentar ou deitar.

O equipamento
Para podermos estar no jardim, os Pedrita conceberam um conjunto de assentos (bancos, alguns deles com encosto), de vários tipos, para diferentes usos e momentos do dia ou da noite - tendo em conta que o jardim terá um tipo de utilização diferente consoante as horas. Os assentos estarão espalhados por vários pontos e adaptados a eles, "aproveitando os desníveis, os espaços menos expostos e a possibilidade de usufruir ao máximo do sol".
O material escolhido é uma combinação de betão com cortiça - criando, diz Guta, "uma estrutura suave que amortece o impacto do corpo". Esta é, segundo os Pedrita, "uma conjugação invulgar, que inverte os papéis à partida definidos: a cortiça surge como elemento base, estrutural e trabalhado em bloco [o interior do banco]; e o betão como superfície de contacto [na qual nos sentamos], trabalhado formalmente em lâmina".

O som
Este é, declara Guta Moura Guedes, um "ponto absolutamente revolucionário" na forma de nos relacionamos com um jardim em Lisboa. O desenho de som concebido por Rui Gato tem várias camadas. Haverá altifalantes hipersónicos estrategicamente colocados pelo jardim que vão criar "sweet spots", pontos muito específicos (com um raio de apenas dois ou três metros) nos quais podemos ouvir sons ligados ao passado, presente e futuro.
Expliquemos: os sons do "passado" são criados a partir de "uma base de dados sónicos e musicais a partir da interpretação das sequências de ADN das diferentes espécies vegetais do jardim e sua transposição para informação musical" ou das "características morfológicas dos sons naturais", do canto dos pássaros ao vento ou à chuva. O "presente" intervém quando, sobre esta base de dados, um sistema informático "modula a matéria musical através de sinais do meio físico registados no momento", e que variam com a hora do dia ou da noite, a temperatura, a humidade, etc.
Por fim, o "futuro": haverá um interface web disponível na cafetaria/Info Point ou através do computador (pela rede wireless) no qual poderemos "desenhar a nossa própria reconfiguração do ecossistema" durante um curto período. Além disso, acrescenta Guta, "podemos desafiar um artista em qualquer ponto do mundo a enviar inputs". Se todo este som é muito discreto e muito focado durante o dia (só ouvido nos tais sweet spots), à noite pode ter uma versão "mais colectiva", criando outro ambiente no jardim.

A luz
Foi José Álvaro Correia quem trabalhou a luz. Um dos objectivos é "tornar o espaço mais seguro para circular e estar", nomeadamente à noite, altura em que a animação se instala na zona de Santos. A luz geral pretende "acentuar a escala das árvores num efeito de cúpula, reflectindo depois a luz nas zonas de permanência, lazer e circulação". Há também uma luz pontual, que introduzirá cores quentes para "uma atmosfera envolvente e descontraída", que será complementada por uma luz lúdica (aqui entra, tal como no som, a possibilidade de intervenção do utilizador). Por fim, haverá uma luz circundante com uma tonalidade alaranjada, banhando o jardim numa atmosfera quente.

A sinalética
António Silveira Gomes partiu de uma ideia muito simples: as inscrições que as pessoas fazem nos troncos das árvores, desenhos, nomes, mensagens, marcas de uma passagem. Nas notas sobre a intervenção, o designer lembra práticas culturais que exploram esta "relação entre homem, árvore e cidade", como o Tree-Dressing (vestir as árvores) na Índia, Japão e Inglaterra; o Tree Carving (gravações nas árvores) nos EUA, e os Wish-Trees (colocar desejos escritos em etiquetas em certas árvores).
É assim que vai ser a sinalética no novo Jardim de Santos. "São feitos cortes superficiais nas árvores e é usada uma tinta que não tem qualquer perigo para a árvore", garante a directora da Experimenta. Serão assim dadas direcções para espaços culturais nas proximidades, orientações dentro do jardim e informações sobre as próprias árvores.
O designer propõe também jogos lúdicos no chão, aproveitando por exemplo as tampas de caixas subterrâneas de serviços vários, que normalmente se tentam esconder. Em vez de esconder, Silveira Gomes quer tirar partido delas, desenhando num baixo-relevo suave jogos/labirintos, misturando a lógica do jogo do berlinde com a da playstation - uma forma também, sublinha Guta, de "fugir ao estereótipo de ter uma zona separada para as crianças". Afinal, não é este um jardim com uma casa na árvore para os adultos realizarem o seu sonho de infância?"

de 10.09.09 a 08.11.09
Largo de Santos
1200-808 Lisboa

Metro: Cais do Sodré
Autocarro: 6, 727, 60, 104
Eléctrico: 15, 25, 28
Comboio: Santos

Fonte:
http://jornal.publico.clix.pt/noticia/05-09-2009/experimentadesign-vamos-ter-um-jardim-com-uma-casa-na-arvore-17419035.htm
Imagem:
http://www.experimentadesign.pt/2009/pt/02-04-01.html

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