Entrevista com James Howard Kunstler.
Por Victor Belanciano
"Não se tem falado de outra coisa: derrapagem do preço dos petróleos e crise financeira global. Responsáveis? O estilo de vida ocidental, dependente do petróleo. Solução? Mudar de estilo de vida. Escreveu-o James Howard Kunstler há cinco anos em “O Fim ...do Petróleo”.
Mas continuamos a brincar ao faz de conta. Entrámos na curva descendente da exploração petrolífera e do gás natural em que assenta o nosso modo de vida, mas insistimos em imaginar reservas inesgotáveis ou substitutos por artifícios tecnológicos.
Di-lo o americano James Howard Kunstler, especialista em urbanismo, jornalista, escritor, autor de “O Fim do Petróleo – o grande desafio do séc XXI” (2005), onde relata o que nos espera depois do pico global de produção petrolífera ser superado, gerando mudanças económicas, politicais e sociais épicas.
Conhecido desde que publicou, em 1993, “The Geography Of Nowhere: The Rise and Decline of America’s Man-made Landscape”, editou ensaios sobre planeamento e condição urbana, visando o que classifica como fiasco do modelo suburbano.
Em simultâneo tem escrito romances. O último, deste ano, “World Made By Hand”, reflecte o mundo pós-petróleo. Controverso, lúcido, incisivo e profético são epítetos utilizados para falar de alguém que tem antecipado não só a derrapagem dos preços do petróleo, mas também a crise financeira global.
“Ninguém está preparado para o buraco que nos espera ao fundo da estrada”, adverte, sustentando que nos espera um período de reconversão radical dos modos de vida, antecipando um período da história desconhecido, que todos os países enfrentarão.
P – Diz que o estilo de vida ocidental tem que mudar porque é inconsistente com os reduzidos recursos enérgicos que temos. A crise dos mercados financeiros é mais uma indicação que o mundo está a mesmo a mudar de forma dramática?
R – No Ocidente, seja nos EUA ou Europa, o esgotamento dos combustíveis fósseis tem implicações profundas no complexo sistema que atribui sentido à vida em sociedade. Esse estilo de vida está em vias de se tornar insustentável ou entrar em colapso, à medida que entramos no território desconhecido da redução permanente de petróleo. As finanças são apenas um desses sistemas – aquele que colige e atrai capital. Agora está sob tensão, à beira da ruptura. Em parte, por causa do esforço para contornar o previsível fim do crescimento industrial petrolífero, que conduziu a uma série de aldrabices, ou seja, investimentos mutantes que se revelaram fraudulentos. É claro que o sistema financeiro está ligado com os outros sistemas dos quais dependemos – alimentação, transportes ou comércio, e o falhanço de cada um deles afecta, obviamente, todos os outros.
P – Tendências que previu em “O Fim do Petróleo”, como a crise dos mercados financeiros e a aflição causada pela especulação imobiliária, estão a acontecer. Porque não foi feito nada para amortecer o que está a ocorrer?
R – Porque os EUA, e o resto do mundo, como costumo dizer, estão a caminhar como sonâmbulos rumo ao futuro. Estamos a enfrentar o fim da era dos combustíveis fósseis baratos, ou seja o fim da história industrial, e não assumimos que as reservas são finitas, não se renovam, distribuem-se de forma desigual e não temos substitutos. Isto é mal compreendido pela população, preocupada com o dia-a-dia, e por quem detém poder de pensar e agir. Não é conspiração. É inércia cultural, agravada pela ilusão colectiva de quem vive num ambiente de conforto. Talvez faça parte da natureza das coisas ignorarem-se as condições que as provocam até ser tarde de mais para se fazer seja o que for. Mas era bom que se percebesse que o pico de produção global de petróleo vai mudar a vida económica do mundo.
P – Há solução para derrapagem do preço dos petróleos?
R – Ao mesmo tempo que assistimos a distorções no preço do petróleo, existe a presunção que abrandar as economias mundiais amortecerá a procura de produtos petrolíferos. É optimismo a mais. Existe uma capacidade mínima para operar nos países desenvolvidos e suspeito que as margens são maiores do que a maior pensa. Segundo, as distorções de preços criarão mais problemas no futuro, porque muitos investimentos de capital serão adiados ou cancelados porque foram planeados para serem rentáveis apenas com o barril de petróleo a 100 dólares. A situação actual afectará futuras provisões que serviriam para compensar futuros esgotamentos. É complicado. Por outro lado, outros factores continuarão a fazer-se sentir, como as questões ligadas ao “nacionalismo petrolífero”, que transformam o petróleo numa arma geopolítica. Existe, ainda, a esperança que fontes de energia alternativa compensem perdas de petróleo, mas isso são fantasias, sobretudo se continuarmos com este estilo de vida.
P – Qual poderá ser o futuro das grandes companhias criadas num contexto onde os recursos pareciam inesgotáveis e baratos?
R – No espaço de cinco anos, talvez antes, as companhias de aviação, por exemplo, não existirão tal como as conhecemos. Isso é certo. É inacreditável que os EUA tenham um deplorável serviço de caminhos-de-ferro. Destruímo-lo! Um crime contra nós próprios! Se não encontrarmos uma maneira de o reconstruir, não iremos a lado nenhum neste novo mundo que se descortina. Não custa imaginar que as travessias de oceano por barco voltarão a ser normais ou que a indústria dos camiões morrerá, pelo menos da forma como está organizada.
P – Acredita-se que através da tecnologia encontraremos substituto para os problemas energéticos. Você diz que é uma falácia. A tecnologia é problema, não faz parte da solução?
R – Sofremos de “tecno-triunfalismo”. A maior parte não admite a possibilidade da civilização industrial não ser salva pela inovação tecnológica. Pensam: como podem nações que chegam à lua não superar estas dificuldades? Esta visão conduziu-nos para um pântano, com investimentos de filosofia errada. A mania, agora, nos circuitos ecológicos americanos, é encontrar maneiras de circular com carros, amigas do ambiente. Uma loucura. A solução para a falhada utopia automobilística não é mais carros que circulam de formas diferentes, mas sim bairros, vilas ou cidades onde se circule a pé. Nos EUA este conceito de cidade não é compreendido. O carro tornou-se na extensão lógica de todos, incluindo dos mais pobres.
P – A economia global, como a conhecemos, subsistirá ou a tendência será, como parece defender, regressarmos a uma economia localizada?
R – Ainda não sabemos se as disfunções nas finanças ou nos recursos energéticos conduzirão a graves problemas geopolíticos, o que, a acontecer, afectará a lógica de comércio internacional. Seja como for o mundo deixará de encolher, tornando-se, outra vez, maior. A globalização não tornou o mundo mais plano, como se diz. Mudarão radicalmente quase todas as relações económicas entre pessoas, nações e instituições. O comércio mundial não desaparecerá, mas o contexto onde se fará será mais reduzido. Genericamente, viveremos mais localmente.
P – Há uma corrente de opinião que sustenta ser possível uma transição suave dos combustíveis fósseis para os seus substitutos (hidrogénio, energia solar, etanol, fissão nuclear, etc). O que pensa disso?
R – Estou confiante que tentarão esses e muitos mais e desiludir-se-ão com todos. Alguns deles, como o etanol, revelar-se-ão fraudes imediatas, pelo menos em termos económicos. Temos é que nos concentrar em conservar o que ainda temos, estabelecer modelos locais, pensar num tipo de desenvolvimento urbano compacto e em paisagens agrícolas menos mecanizadas. A crença que a “economia de mercado” nos facultará um substituto é ilusão. A verdade é esta: o mais provável é os novos combustíveis e tecnologias nunca conseguirem substituir os combustíveis fósseis ao ritmo, escala e modo como o mundo os consome hoje.
P – Tem reflectido sobre os subúrbios americanos, argumentando que são insustentáveis e sem futuro. No mundo pós-petróleo o que lhes acontecerá?
R – O conceito de subúrbio não é reformável. E não o é porque foi concebido para fazer sentido na era dos combustíveis baratos. Logo, são insustentáveis. Mas não vamos ter muitas saudades, porque nas últimas décadas produziram apenas alienação, solidão e depressão.
P – Os subúrbios americanos são uma espécie de réplica artificial da vida no campo. Para além das questões energéticas, o problema deve-se ao facto de serem uma amálgama de cidade e campo?
R – Sim, topologicamente, são confusos. Nem urbanos, nem rurais, com as desvantagens de ambos e quase nenhuma das vantagens. Têm, por exemplo, congestionamentos de carros, e nenhum dos proveitos resultantes da densidade, porque as pessoas estão presas nos carros. Têm paisagem rural, mas quase nenhuma ligação com outras ecologias e organismos vivos. O subúrbio tem inscrito no código genético a palavra entropia, a força da natureza que conduz à morte.
P – Mas as cidades e as concentrações urbanas não desaparecerão. Como será a vida urbana no futuro?
R – As cidades serão menores em escala. As grandes megacidades não são outra coisa senão a manifestação de uma época onde a energia era barata. As cidades mais afortunadas tenderão a ser densas e compactas, nos centros históricos e margens dos rios que as circundam. A era do automóvel provou que as pessoas toleram ruas e edifícios feios desde que possam fugir desses locais em automóveis bem equipados. Mas se regressarmos a uma escala humana de construção, haverá uma boa hipótese dos bairros urbanos serem mais sustentáveis e bonitos.
P – O modelo urbano de subúrbio na Europa, em termos de organização social e cultural, é diferente. Terão mais hipóteses que os modelos americanos?
R – Os europeus nunca perderam o respeito pelo carácter e charme da vida urbana. Não destruíram as suas vilas e cidades, ao longo do processo suburbano, como nós. A qualidade do urbanismo, a sua escala, é mais sustentável.
P – Mas cidades europeias como Paris, Londres ou Lisboa estarão mais bem preparadas para as mudanças que, presumivelmente, se avizinham?
R – Absolutamente. Nos próximos anos, os cidadãos de Dallas ou Atlanta sentir-se-ão perdidos nas suas casas gigantes, a quilómetros do nada. Em Lisboa ou Dusseldorf continuarão as suas vidas. Na Europa, até as urbes mais pequenas possuem um elevado nível de equipamentos sociais e culturais. Mesmo que houvesse uma grande interrupção no abastecimento de petróleo, a maior parte dos europeus continuaria a sua vida quotidiana.
P – Voltar ao passado, ao que já conhecemos, é a conduta óbvia quando os tempos são de mudança. É mais difícil olhar em frente, para o desconhecido. Mas, às vezes, é isso que é necessário fazer. Não existe outra opção senão voltar ao passado?
R – As pessoas são inventivas e flexíveis, mas já se fizeram demasiadas coisas falhadas, em nome da inovação. Existem muitas coisas da nossa vida quotidiana que não necessitam de ser reinventadas. Quarteirões onde se pode andar a pé, por exemplo. Todos os dias encontro uns idiotas que, periodicamente, querem construir sistemas de transportes, concebidos para funcionarem como os carros. Para quê? É de loucos. Os bairros mais desejáveis das grandes cidades são os mais intimistas. O urbanista Andrés Duany disse que a sua ideia de paraíso era um bairro gótico de uma cidade europeia e eu concordo.
P – E na China, no Brasil ou na Índia? O Ocidente andou a dizer-lhes que o nosso estilo de vida é que era, e agora que, aparentemente, têm frutos dessa adopção, irão abdicar do que conquistaram?
R – Também estão a enfrentar imensas mudanças e desafios. Pensa-se que, nos próximos anos, a China irá deter uma espécie de hegemonia global. Duvido. Têm muitos problemas, especialmente de escala, até mais do que as nações ocidentais, por causa da população, da destruição ecológica, da escassez alimentar e da insuficiência de reservas de petróleo. A China transformou-se rapidamente numa grande economia industrial, mas entraram no jogo tarde de mais. Ou seja industrializaram-se no momento preciso em que se reduzem, em todo o mundo, os recursos necessários a esse processo.
P – Há anos afirmou que, genericamente, os líderes políticos eram fracos. Como tem visto a corrida eleitoral nos EUA?
R – Mr. Obama é honesto, inteligente, e espero que venha a ser um digno líder dos EUA. Mas irá passar por desafios e dificuldades terríveis e tenho pena da sobrecarga que vai herdar. Quanto aos problemas energéticos, é difícil perceber até que ponto, um e outro, estão informados. Mas o ponto principal é que os cidadãos não têm tido coragem para enfrentar a realidade, independentemente do que os líderes sabem, dizem ou pensam.
P – Que mudanças tem vindo a efectuar na sua vida privada, de maneira a preparar-se para o mundo pós-petróleo?
R – Tenho uma vida comedida, nada extravagante. A decisão mais importante foi tomada há 30 anos quando assentei numa vila americana, Saratoga Springs, 300km a norte de Nova Iorque. É uma escala e tipo de vida que está de acordo com aquilo que serão as exigências do futuro. "
Fonte:
PÚBLICO (P2) 10-9-2008
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