Mobilidade: Para cada cidade europeia há uma solução à medida

Em Malmo, a bicicleta é muito usada, o que criou outro problema: onde estacioná-las?
Em Malmo, a bicicleta é muito usada, o que criou outro problema: onde estacioná-las? (Foto: Miriam Logonder)








"Enquanto Malmo procura uma solução para o estacionamento caótico de bicicletas na cidade, o Funchal recorre aos transportes públicos para acabar com o trânsito provocado pelos veículos de cortesia dos hotéis. Também Vitoria, Bolonha e Génova se destacam pelos avanços conquistados na área da mobilidade.
São praticamente infinitas as possibilidades ao alcance dos políticos e técnicos europeus para melhorar a mobilidade dos cidadãos, ou, como alguns especialistas optam por chamar-lhe hoje em dia, a sua acessibilidade. O segredo, diz-se de forma praticamente unânime, está em misturar as muitas peças do puzzle disponíveis com ponderação e adequar essa mistura à realidade de cada cidade. Malmo, Vitoria-Gasteiz, Funchal, Bolonha e Génova são alguns dos exemplos com provas dadas e agora premiados.

Malmo - Suécia
Com 420 quilómetros de vias dedicadas, estruturas metálicas nos semáforos para os ciclistas se apoiarem, um sistema que lhes garante prioridade em dezenas de cruzamentos e pequenas estações de serviço - onde podem encher os pneus e realizar reparações simples -, Malmo parece ser uma cidade perfeita para quem anda de bicicleta. Porém, mesmo neste cenário capaz de fazer inveja a ciclistas de todo o mundo há um senão (pelo menos): encontrar um lugar para estacionar a bicicleta nesta cidade sueca é um verdadeiro quebra-cabeças e, por isso, as duas rodas acotovelam-se um pouco por todo o lado.

Magnus Fahl, que chefia a unidade de tráfego deste município no Sudoeste da Suécia, admite que este é um dos problemas com que Malmo se confronta actualmente, a par da inexistência de um sistema de aluguer de bicicletas que permita aos turistas porem-se na pele dos locais e pedalarem pela cidade fora. Falhas que não impedem que, entre 2003 e 2008, o recurso aos veículos de duas rodas nas viagens dos mais de 286 mil habitantes tenha subido de 20 para 23 por cento.

Magnus Fahl acredita que este número tem ainda uma margem significativa de crescimento. Para tal contribuirão certamente as numerosas garagens "de grande capacidade e elevado grau de conforto" que, como explica este responsável, vão ser construídas junto às principais estações ferroviárias, criando um total de cerca de 6000 lugares para bicicletas. Exemplo disso é o parque de estacionamento que está a ser feito no centro da cidade e que terá 1000 lugares para parqueamento de bicicletas e (apenas) 400 para carros.

Um investimento que vem juntar-se a muitos outros feitos nos últimos anos para facilitar a vida de quem pedala, incluindo o presidente de câmara, Ilmar Reepalu, para quem pedalar é uma rotina diária. Nas ruas da cidade foram instalados sensores que garantem aos ciclistas prioridade em cerca de 30 cruzamentos, reduzindo o número de vezes em que são obrigados a parar ou a esperar pelo sinal verde. E as viagens podem ser programadas mesmo antes de se sair de casa, com a ajuda de um mapa em papel da cidade ciclável e de um site em que são sugeridas rotas e comparados os tempos de viagem em bicicleta com aqueles que seriam despendidos em carro particular ou autocarro.

Vitoria-Gasteiz - Espanha
Mas no que toca à informação prestada aos cidadãos no domínio da mobilidade há uma outra cidade europeia que parece estar um passo à frente e que foi distinguida na última conferência anual do programa europeu Civitas (ver caixa), que se realizou precisamente em Malmo, há menos de um mês. Trata-se de Vitoria-Gasteiz, um município espanhol que foi premiado na categoria de participação pública devido ao seu "extraordinário esforço para envolver os cidadãos e outros agentes no desenvolvimento de um plano de mobilidade sustentável e espaço público".

E os resultados estão à vista: há cerca de um ano, esta cidade do País Basco (com cerca de 233 mil habitantes) lançou uma linha de eléctrico e alterou por completo a sua rede de autocarros (passando de 17 para nove linhas e diminuindo os tempos de espera de uma média de 25 para dez minutos), tendo com isto conquistado mais de 508 mil novos utilizadores para o sistema de transportes públicos. A explicação, diz o responsável pela difusão da participação de Vitoria no Civitas, Juan Carlos Escudero, está no facto de este ter sido um processo "multidisciplinar e participativo, que procurou o envolvimento, além dos diferentes departamentos municipais, de tantas organizações de cidadãos quanto possível". Para isso, sublinha Juan Carlos Escudero, o fluxo de informação circulou não só de cima para baixo - da autarquia para os munícipes - mas também entre munícipes, tendo sido recrutados 101 voluntários que transmitiram a mais de 27 mil pessoas informações sobre a nova rede de transportes públicos. Os partidos da oposição representados na câmara de Vitoria-Gasteiz apoiaram unanimemente o plano local de mobilidade, apesar de dele constar a pouco popular medida de o estacionamento no centro da cidade passar a ser pago, isto para dissuadir o uso do transporte individual.

Funchal - Portugal
Já na cidade portuguesa do Funchal há, além do automóvel, um outro veículo cujos efeitos pouco desejáveis em termos ambientais a autarquia está empenhada em minimizar: o chamado "autocarro de cortesia" que muitos hotéis disponibilizam aos seus hóspedes para se deslocarem até ao centro. Cláudio Mantero, porta-voz do projecto Civitas nesta ilha portuguesa, refere que estão em causa sete veículos pesados e cinco ligeiros que efectuam 86 viagens diárias e que "podiam perfeitamente ser suprimidos em favor do transporte público regular de passageiros".

A ideia é que as unidades hoteleiras abdiquem da sua oferta privada ou que a utilizem exclusivamente para transportar os seus hóspedes até ao aeroporto. Nas deslocações no centro a alternativa é recorrer à Linha Verde, um serviço público de autocarro que percorre uma extensão de cinco quilómetros "numa zona de grande expansão residencial e onde está concentrado um elevado número de unidades hoteleiras, espaços públicos de grande adesão/procura, centros comerciais e oportunidades de emprego".

Esse serviço destina-se também a residentes, mas, no caso dos turistas que visitam a ilha, a venda dos bilhetes - num pacote que inclui títulos de transporte para um, três ou cinco dias e informações sobre as principais atracções turísticas - é feita directamente ao balcão dos hotéis que aderirem ao projecto. Até agora foram seis as unidades a fazê-lo, número que segundo o porta-voz do Civitas no Funchal (cidade que em 2011 será palco do encontro anual deste projecto europeu) deverá duplicar nos próximos dias para 12.

Nos autocarros da Linha Verde e em outras duas carreiras os passageiros podem transportar gratuitamente as suas bicicletas. Todavia, ao contrário do que é habitual, isso não é feito no interior dos autocarros, mas sim em suportes exteriores, na traseira dos autocarro. Além disso, a Câmara do Funchal lançou um concurso para a criação de um sistema de bicicletas de uso partilhado que deverá estar pronto em 2011 e terá pelo menos 16 veículos convencionais e 24 eléctricos (dos quais oito motociclos).

Na mais recente conferência anual do Civitas, a Itália esteve em destaque, já que duas das suas cidades foram premiadas pelo seu "trabalho pioneiro para promover transportes urbanos mais limpos e melhores".

Bolonha e Génova - Itália
No caso de Bolonha, o júri distinguiu o esforço do município e da universidade aí localizada para conceber "um sistema inteligente de transportes" que desempenha um papel fundamental na monitorização dos fluxos de tráfego e na informação aos cidadãos.

A ideia é que os cerca de 370 mil habitantes da cidade possam receber, em qualquer momento, pela Internet e telemóveis, dados sobre o trânsito, ajudando assim a decidir quais os melhores trajectos e meios de transporte. Outras inovações em curso prendem-se com o controlo dos semáforos a partir de uma central, através da qual será também garantida prioridade aos transportes públicos nos cruzamentos. Também com o objectivo de melhorar as condições de circulação dos autocarros - aumentando em dez por cento o número de veículos que cumprem os horários estipulados -, Bolonha declarou guerra ao estacionamento em segunda fila. Para tal serão usadas câmaras de vídeo móveis, que tirarão fotografias aos automóveis em situação ilegal, seguindo-se o reconhecimento automático da matrícula e o processamento da multa.

Génova, por seu lado, foi considerada a cidade Civitas do ano por se ter destacado como "a mais activa, responsável e progressista no desenvolvimento de medidas sustentáveis de mobilidade". Uma das mais propostas mais inovadoras que o município italiano se prepara para concretizar pretende resolver um problema que muitas cidades europeias de média e grande dimensão enfrentam e que numa esmagadora maioria dos casos não tem ainda solução à vista: o da distribuição de mercadorias nas áreas centrais, com o trânsito e emissões poluentes que daí advêm.

A solução que Génova se prepara para introduzir passa por estabelecer um sistema de créditos de mobilidade. Para tal os primeiros passos são delimitar a zona de intervenção e quantificar qual deve ser o limite máximo de gases com efeito de estufa que aí podem ser emitidos, valor que é depois convertido num conjunto de créditos. A cada actividade económica é então atribuído um determinado número de créditos, o que na prática corresponde à definição do número de vezes em que podem entrar com os seus veículos na zona delimitada para realizar cargas e descargas.

A partir daí a ideia é que se estabeleça uma espécie de banco em que quem não usou todos os créditos a que tinha direito os possa entregar em troca de benefícios monetários e onde quem gastou os seus e precisa de mais possa comprá-los. Com isto pretende-se diminuir entre 15 a 20 por cento o tráfego de veículos comerciais. Para este objectivo contribuirá também a criação de um sistema de "van-sharing" (partilha de carrinhas) para o transporte de mercadorias.

O PÚBLICO viajou a convite da Comissão Europeia"
in Jornal Público, 24.10.2010 Por Inês Boaventura, em Malmo

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