Guardadores de Árvores e de Sonhos

 

Nas cidades, Lisboa incluída, há bairros em que as áreas verdes escasseiam. Alfama é uma dessas áreas: não tem jardins, apenas algumas árvores inseridas em caldeiras.
A primeira caldeira plantada que encontrei foi na Rua dos Cais de Santarém. Um nome tão belo, invocando uma época em que daquele local saíam barcos para o Ribatejo. A toponímia guarda memórias do passado, é difícil imaginar que o tráfego desta rua já foi essencialmente marítimo. Hoje, nesta rua, apenas passa uma torrente de automóveis e autocarros de turismo.
No meio desta confusão urbana, vi uma caldeira-jardim, em que uma senhora, cozinheira do restaurante em frente, plantava couve-portuguesa, salsa e coentros. A caldeira encontrava-se delimitada por uma rede, protegida dos mais distraídos que a poderiam pisar. Era a horta mais pequena que alguma vez tinha visto, uma lição de permacultura avant la lettre.
Alguns anos mais tarde comecei a reparar em duas outras caldeiras-jardim, na Rua Augusto Rosa em frente à Livraria Fabula Urbis e ao Museu Romano, também elas cercadas e plantadas com diferentes espécies. Às couves-portuguesas juntavam-se rosmaninhos, alfazemas e outras aromáticas, mas a grande novidade eram imponentes girassóis!
No ano passado, em Julho, as caldeiras-jardim estavam no seu esplendor máximo quando toda a vegetação, à excepção da única árvore que lá existia, foi cortada. Um choque para todos os que apreciavam estes «oásis», em especial o Sr. Costa e os proprietários da Livraria Fabula Urbis, que cuidavam destas caldeiras-jardim e das árvores nelas plantadas.
As árvores plantadas junto ao Museu Romano terão, muito provavelmente, subsistido devido aos esforços do Sr. Costa. Até ter criado a sua caldeira-jardim, todas as árvores ali plantadas morreram. As cidades necessitam de pessoas assim, que tomam o espaço público como seu, que se apropriam dele da melhor forma: com boas intenções e sem custos.
Este texto é dedicado a todos os «Guardadores de Árvores e de Sonhos», anónimos a quem damos nome e agradecemos em nome de todos os cidadãos da urbe: Muito obrigada!

Revisão de texto: Raquel Mouta 

Nota: o título é, obviamente, plagiado a Alves Redol.

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