"Esqueçam as pilhas de livros a encherem a casa, esqueçam um carro
por pessoa. E preparem-se para o mundo das moedas digitais, que vão
começar a expandir-se. Lauren Anderson, do Collaborative Consumption
Lab, e Stan Stalnaker dão-nos alternativas de consumismo e poupança.
Primeiro trabalho da série Conversas de fim de ano.
Já andamos a partilhar, a reutilizar, a reciclar, a emprestar, mas
vamos fazê-lo muito mais, segundo o movimento Collaborative Consumption
(CC, Consumo Colaborativo) - um conceito, um site e uma consultora
nascidos do livro What’s Mine is Yours – How Collaborative Consumption is Changing the Way We Live.
E que dizer das moedas que pesam na carteira, com
tamanhos diferentes, e a exigirem toda uma rede de produção - da
manufactura à distribuição? O mais provável é virem a ter uma
concorrência feroz de milhares e milhares de outras moedas digitais como
a Ven, criada por Stan Stalnaker e transaccionada na rede social Hub
Culture– foi a primeira moeda privada a ser listada na Thomson Reuters, é
sustentável e mais imune às flutuações do mercado, defende.
No site do
Collaborative Consumption há uma actualização constante das tendências
globais da economia de partilha e vai-se fazendo o registo da explosão
de novas formas de troca, comércio, aluguer, etc em todo o mundo,
baseadas na colaboração e na ideia de comunidade.
Embora existam
especificidades geográficas, a directora de inovação do CC, Lauren
Anderson, aponta as semelhanças: há cada vez mais pessoas interessadas
em aceder a “meios eficazes de obterem aquilo que querem” – “sejam
coisas mais materiais ou menos tangíveis como tempo, aptidões ou
espaço”. “Isso tem gerado uma revolução económica desde a crise que
levou as pessoas a reconsiderarem onde gastam o seu dinheiro, o valor
que dão a coisas materiais, mas também levou a uma maior consciência
ambiental global”, diz. “Tem acontecido também pela grande necessidade
de comunidade que nasceu depois de décadas de isolamento e de
independência, em que sentíamos que tínhamos que nos bastar a nós
próprios.
Através do consumo colaborativo as pessoas estão a
perceber o valor da comunidade. E com a Internet e as novas tecnologias
estamos a redefinir o termo comunidade e a forma como nos ligamos a
ela”. Ou seja, se antigamente emprestávamos a alguém alguma coisa, o
mais provável era esquecermo-nos dela – mas hoje, graças à tecnologia, é
muito mais fácil emprestar ou trocar coisas mesmo com desconhecidos
porque temos maneira de registar e traçar o rasto das coisas.
Sem
conseguir quantificar o movimento em termos de número de pessoas
envolvidas, Anderson diz, no entanto, que se pode ter uma ideia olhando
para indústrias ou sectores específicos: só o Airbnb cresceu no último
ano o que cresceu nos três anteriores (entre 2008 a 2011 tiveram 5
milhões de reservas, passaram para 10 milhões este ano). Esta plataforma
junta pessoas que querem alugar os seus quartos/casas com quem anda à
procura deles, ou seja, junta quem quer fazer dinheiro a quem quer
poupar dinheiro. Tem de tal forma crescido que há uns tempos em Nova
Iorque era maior o número de reservas de Airbnb do que de hotéis.
Voltar a formas antigas
No fundo, há um regresso a formas antigas de troca e partilha, um regresso ao modo de vida colaborativo: “Quando a Rachel Botsman estava a escrever o livro [What’s Mine is Yours…] percebeu que havia três coisas que poderiam categorizar exemplos de colaboração”, lembra Lauren Anderson. “O primeiro eram os mercados de redistribuição: passar coisas que não são necessárias num sítio para outro onde são necessárias; o segundo são os sistemas de produtos ou serviços, em que as coisas podem ser compradas, emprestadas ou partilhadas mas pertencem a outra pessoa ou empresa (partilha de carros, por exemplo); e a terceira, os modos de vida colaborativo que são coisas menos tangíveis – o nosso tempo, através de bancos do tempo, as nossas capacidades, que são o nosso conhecimento que pode ser partilhado em plataformas, e o espaço, que pode ser o Airbnb, lugares de estacionamento ou armazéns”.
Voltar a formas antigas
No fundo, há um regresso a formas antigas de troca e partilha, um regresso ao modo de vida colaborativo: “Quando a Rachel Botsman estava a escrever o livro [What’s Mine is Yours…] percebeu que havia três coisas que poderiam categorizar exemplos de colaboração”, lembra Lauren Anderson. “O primeiro eram os mercados de redistribuição: passar coisas que não são necessárias num sítio para outro onde são necessárias; o segundo são os sistemas de produtos ou serviços, em que as coisas podem ser compradas, emprestadas ou partilhadas mas pertencem a outra pessoa ou empresa (partilha de carros, por exemplo); e a terceira, os modos de vida colaborativo que são coisas menos tangíveis – o nosso tempo, através de bancos do tempo, as nossas capacidades, que são o nosso conhecimento que pode ser partilhado em plataformas, e o espaço, que pode ser o Airbnb, lugares de estacionamento ou armazéns”.
Factores essenciais para que estes negócios, muitos deles baseados no sistema peer-to-peer
(interpares)? Confiança e eficácia. Sem confiança os sistemas não
funcionam, ou seja, quer seja a empresa a controlar, ou a passar essa
responsabilidade aos membros quando a “rede” cresce, a confiança “é
absolutamente crucial”.
Há um exemplo que serve para ilustrar a
forma como este factor “evoluiu”: a plataforma Zimride (partilha de
boleias). Quando arrancou, os fundadores não podiam desatar a pedir às
pessoas para começarem a dar boleias. Por isso foram directamente às
empresas e às universidades apresentar a ideia e sugeriram que os
estudantes e os empregados procurassem alguém na rede com quem partilhar
deslocações – “porque já existe um nível de confiança entre as pessoas
que estudam na mesma universidade ou trabalham na mesma empresa, mesmo
que não se conheçam”. Só depois se lançaram para as plataformas abertas.
“Notaram que, ao princípio, as pessoas só usavam as redes privadas, mas
agora usam as plataformas públicas porque se criou confiança,
sentiam-se mais confortáveis. Esse é um passo enorme na forma como
podemos confiar e contar uns com os outros para ter as coisas de que
precisamos – e é uma coisa que vai começar a expandir-se à medida que
nos sentirmos mais confortáveis”.
O outro factor, a eficácia, é o
que motiva a adesão: “Quando se pensa em partilha de carros, aquilo que
se quer é que seja útil”, diz. “Tem que ser mais fácil
contratar/adquirir esses serviços do que sermos nós a fazer”.
O
consumo colaborativo parte também da ideia de que hoje procuramos mais
experiências do que propriamente objectos físicos. Vamos ser menos
consumistas ou vamos passar a coleccionar experiências como
coleccionávamos coisas? “Acredito que nos estamos a afastar dos típicos
ideais do consumismo em que quanto mais tínhamos, melhor éramos”,
responde Anderson. “Acho que estamos à procura de formas mais
significativas de nos relacionarmos uns com os outros. O papel das
empresas tradicionais é olharem para o que está a acontecer: as pessoas
estão fartas de transacções de grande volume e querem relacionar-se com
seres humanos reais”.
Tendência para desmaterializar
Desejo de contacto humano, mas tendência para a desmaterialização: não deixa de ser curioso que em relação aos objectos tipo CD, livro, DVD, a tendência seja para nos livrarmos deles, tal como acontece com o próprio dinheiro. Na Hub Culture (HC) transaccionam-se ideias, e não só, mas promovem-se encontros e acontecimentos no mundo real. Trocam-se aptidões, serviços por Ven, a moeda que nasceu em 2007 para ser usada pelos membros da HC como sistema de pontos.
Desejo de contacto humano, mas tendência para a desmaterialização: não deixa de ser curioso que em relação aos objectos tipo CD, livro, DVD, a tendência seja para nos livrarmos deles, tal como acontece com o próprio dinheiro. Na Hub Culture (HC) transaccionam-se ideias, e não só, mas promovem-se encontros e acontecimentos no mundo real. Trocam-se aptidões, serviços por Ven, a moeda que nasceu em 2007 para ser usada pelos membros da HC como sistema de pontos.
Só em 2009 é que
passaram a ter “um cabaz”a criar o valor da Ven – é uma mistura entre as
moedas internacionais, bens como ouro, prata e crude, e carbono “de
forma a torna-la mais verde”, explica Stan Stalnaker. “Ao incorporar os
preços do carbono no cabaz ligámos a moeda ao ambiente, e tornámo-nos na
única moeda que tem o carbono incluído. Actuamos um pouco como o Banco
Central: temos os bens em reserva. A maior parte dos países só tem em
reserva cerca de 2% dos bens; como somos muito pequenos temos que ter
100% em reserva. Não damos números sobre as reservas mas já trocámos o
equivalente a 1.5 milhões de dólares e está a crescer rapidamente”.
As
vantagens ambientais são estas: “De cada vez que se usa Ven está-se a
ajudar o planeta, porque teremos mais capacidade de investir nas
reservas de carbono. Até agora, salvámos 25 mil hectares de floresta na
Amazónia usando a Vem”.
As outras vantagens da Ven, que só
funciona na rede ou nos chamados Pavillion da Hub Culture (espaços
físicos espalhados pelo mundo onde se desenvolvem actividades, como
co-working), é que é “uma óptima barreira contra a inflação porque é
suportada em parte pelos bens: se eles sobem, a Ven também”. “É uma
moeda naturalmente menos flutuante: desce e sobe menos do que as outras
moedas e do que os bens.”
Podemos comprar Ven com dinheiro ou
vendendo os nossos serviços – “no fundo tudo o que se pode comprar com
dinheiro pode comprar-se com Ven”.
Stalnaker, que trabalhou na
área de marketing da Time Warner, imagina que daqui a cinco anos vamos
ter mais de 5 mil moedas digitais, e que um dia cada um terá a sua
própria moeda. De alguma forma, já há vários tipos de “moeda digital”
além das que se intitulam como tal – exemplo são as empresas com cartões
que têm sistema de pontos acumulados. “Acho que um dia cada um terá a
sua própria moeda e essas moedas serão transaccionadas umas com as
outras. Você é boa escritora e eu um bom conferencista, provavelmente
vamos trocar uma coisa pela outra”.
E uma das tendências,
antecipa, é a junção do dinheiro e da informação: “No Facebook há pelo
menos 80 mil milhões de pontos de informação: temos pessoas, lugares,
etc. Os algoritmos vão um dia calcular o valor dessas coisas e a partir
daí cria-se a capacidade de negociar cada uma dessas informações:
quantos ‘gostos’ no Facebook valem um Ven? Isso é o futuro do dinheiro –
todos os pontos no gráfico social vão tornar-se monetizáveis, adquirem
valor e esse valor será transaccionado”.
Estes são dois exemplos
de como a economia de mercado, baseada num consumismo desenfreado, está a
transformar-se – nem Lauren Anderson, nem Stan Stalnaker arriscam dizer
que os movimentos que representam vão substituir completamente os
actuais, mas ambos notam mudanças significativas no comportamento dos
consumidores.
“Acreditamos que o consumo colaborativo vai
continuar a crescer, e andará lado a lado com a economia tradicional”,
diz a directora de inovação do CC. “Mas vai ter um impacto enorme na
economia tradicional na medida em que já não criar produtos para serem
usados por uma única pessoa mas para serem partilhados. E as empresas
vão deixar de se dedicar exclusivamente aos produtos e a começar a ter
relações com os seus clientes em vez de fazerem apenas meras transacções
– ou seja, as empresas vão querer manter uma relação com os seus
clientes, personalizando os produtos e prolongando a vida desse
produto”.
Para quem gosta de ver a cor do dinheiro, não há razão
para alarme: a Ven e outras moedas digitais não vão ameaçar as actuais
moedas, analisa Stalnaker. “As pessoas continuarão a usar euros,
dólares, libras. O que vai acontecer é o oposto da ideia de uma moeda
controlar as outras – vão existir várias que permitem uma maior escolha.
Mais escolha dá mais oportunidades, mais flexibilidade e isso cria um
maior crescimento económico”."
Fonte e imagem: http://www.publico.pt/sociedade/noticia/xxxxconsumo-vamos-partilhar-mais-coisas-e-pagar-com-dinheiro-digital-1578140