in Jornal Público, 04.07.2009
"São sete ideias para o Terreiro do Paço, feitas especialmente a pedido do P2. O objectivo desta iniciativa inédita do jornal é contribuir para o debate público sobre a requalificação da praça principal de Lisboa. Arquitectos, artistas plásticos e um arquitecto paisagista trabalharam intensamente nestas reflexões, que generosamente ofereceram, com a expectativa de conseguirem abrir a discussão para além da polémica que tem rodeado a proposta de Bruno Soares, um projecto
a construir até 2010.
José Pedro Croft, escultor
A intervenção parte das relações espaciais da praça e da sua poderosa relação com o rio. Pretende, de uma forma económica, criar perplexidades, retirando "chão" ao Terreiro e fazer aparecer um duplo da arquitectura preexistente.
1. Partindo de uma fotografia aérea do Terreiro do Paço, como se encontra neste momento (com pequenas correcções), delimitei uma zona para intervir.
2. Mantive os passeios e a zona de calçada como memória do local. Nas restantes áreas, um espelho de água (sem acrescentar muita informação) reflecte e reverbera as relações que já existiam. Estabelece uma relação com o rio, trazendo o elemento água para dentro da praça.
3. Inerente a esta proposta está a impossibilidade de a concretizar, por razões de ordem prática, entre outras, que me são óbvias.
Jorge Estriga, arquitecto
Representação e usufruto
Porta de entrada na cidade. Espaço público de grandes dimensões, envolvido por um conjunto uniforme de edifícios notáveis. Terreiro de troca, paradas militares e recepção de embaixadas. Poder e ordem. Representação e usufruto. O Terreiro do Paço "anteontem".
Hoje, no âmbito do plano de revitalização da Baixa pombalina, qual é o papel que este grande espaço aberto ao estuário do Tejo pode desempenhar? Como é que podemos reduzir a distância física entre as três frentes da praça? Como é que devemos integrar este património monumental (representação) numa estratégia de desenho do espaço público, onde prevaleça o movimento do peão (usufruto) sobre o movimento automóvel?
A proposta de Bruno Soares responde, no essencial, a esta estratégia: a circulação automóvel é radicalmente reduzida nas paralelas ao rio e suprimida nas laterais; os passeios são alargados; e o piso térreo dos edifícios que conformam a praça é ocupado por lojas, galerias, restaurantes, cafés e esplanadas.
Ou seja: uma solução que devolve o espaço público aos peões e que transforma um local de passagem num local de permanência, estabelecendo as bases para o seu pleno usufruto.
No entanto, o espaço é desmesurado. A distância entra fachadas é muito grande e não é um plano "duro", austero e abstracto que vai promover a relação entre os movimentos das três frentes da praça. É necessário amaciar para aproximar.
Proponho um relvado. Um espaço de usufruto e permanência que atenue a tendência inevitável para a autonomia de cada uma das três frentes. Um espaço - que pode ter alguns maciços arbóreos (poucos, baixos e assimétricos) que proporcionem alguma sombra - onde se possa namorar ou apanhar sol, onde as crianças possam correr... Um espaço de encontro que introduza alguma informalidade. Um espaço verde e permeável. Um espaço que absorva a luz, que atraia as pessoas e promova movimentos de aproximação entre as actividades de cada uma das frentes da praça.
Se o plano de revitalização da Baixa pombalina é mesmo a sério e se o objectivo é atrair residentes, famílias, comércio, cultura e gente, então vai ser necessário construir um espaço de descompressão e usufruto que contribua para o bulício que se deseja. Um jardim.
Um jardim que não existe na Baixa, no Chiado nem na Sé.
João Gomes da Silva, arquitecto paisagista
Na Ribeira de Lisboa, o Terreiro do Paço fez-se escavar frente ao rio, na confluência que a cidade fez construir quando se reconstruiu. Praça real, portanto maior que as outras, ergueu edifícios, arco e arcadas, delimitando contra o rio um espaço central, vazio, majestático, hirto e poderoso, delimitando rigorosamente a margem e permitindo pequenas transgressões como o cais com as suas últimas colunas de pedra antes da água extensa.
Sempre a figurei enorme, vazia ou cheia com os seus desfiles coloniais, imperiais, militares, cívicos, festivos ou simplesmente diários, com o castelo flutuando por nascente como um fantasma omnipresente. Por tudo isto, é parte de mim, e certamente de todos os que nasceram e viveram atravessando-a, permanecendo nela, ou simplesmente afrontando o rio sempre extenso a sul.
Sempre a imaginei, porém, de outra forma mais essencial e digna. Atravessada pelos fluxos da cidade (ruas negras de basalto de nascente para poente) e pelos fluxos das ribeiras (de norte para sul), sobre uma superfície clara, quadrangular, alinhada rigorosamente pelo limite externo das ruas Áurea e da Prata.
Uma superfície essencial (da mesma pedra que constrói o resto da cidade), delicadamente trabalhada, modelada numa microtopografia rigorosa, aceitando cuidadosamente as deformações do tempo, as imposições das invisíveis que a atravessam desde tempos iniciais ou mais recentes. Uma superfície clara, abstracta, misteriosa, sulcada por delicadas linhas que substituem as ribeiras que confluíam no rio e que desce suave e imperceptivelmente em direcção ao rio, espraiando-se nele, ora revelando a praia, ora quase transbordando. Ao descer o cais, e passando entre colunas de pedra com inscrições memoriais, observo ainda, na minha memória do futuro, escadas, embasamentos pétreos, talha-mares sob os torreões, e pessoas. Como nas cidades sagradas na Índia distante, as pessoas ocupam no meu sonho a margem, nas suas escadas monumentais, caminham na praia ou na plataforma superior, e, enquanto me afasto lentamente, observo o movimento de pessoas e carros, o recorte monumental contra o castelo, e deslizo, silencioso, em direcção à outra margem.
Praça do Marquês de Pombal, Vila Real de Santo António
Imagem manipulada a partir de Filipe Folque (1856), na qual se reconhece uma superfície única e pétrea, discretamente separada das circulações laterais, que termina nas arcadas laterais. A microtopografia, as discretas caleiras que rasgam a superfície em direcção ao rio e o sistema de infra-estrutura e mobiliário não são perceptíveis a esta escala, tal como não seriam determinantes na imagem real da praça, se fossem construídas.
José Mateus, arquitecto (atelier ARX)
Para mim, é óbvio que o desenho do Terreiro do Paço foi assunto encerrado no tempo da sua construção. Por isso, respondo à questão colocada com uma proposta aparentemente simples e sem desenho. Dito de outra maneira, através de uma intervenção que pretende tocar delicadamente neste conjunto monumental, mas tocar fundo para permitir que o desenho original recupere a sua nitidez, a sua força, o seu dramatismo.
Penso que o Terreiro do Paço devia ser integralmente revestido a lajes de pedra de lioz branco - substituindo pavimentos, estradas e paredes de reboco -, para lhe devolver o sentido perene e sublinhar a expressividade da luz e da sombra, da escala, do ritmo e das subtis diferenças de textura entre pedra antiga e nova. Exactamente como seria o antigo Paço Real ali localizado até à sua destruição pelo terramoto. Para recuperar a praça enquanto espaço colectivo de uma certa solenidade, e para garantir uma mudança profunda da sua atmosfera, não hesitaria em restringir o tráfego aos transportes públicos que cruzariam apenas o seu limite norte.
Retenho as crónicas polémicas e hesitações sobre a apropriação desta praça, o reboco fissurado com cores que mudam ao longo dos tempos - já terá sido ocre, jalde, amarelo, verde, encarnado, cor-de-rosa -, pavimentos diversos onde as ondas da calçada e do asfalto degradado parecem rivalizar. E, sempre, o pesadíssimo tráfego automóvel. Paradoxalmente, é uma das mais radicais obras da Arquitectura portuguesa, onde escala e ritmo foram levados ao limite e foi cumprida a ambição de introduzir unidade, ordem e rigor dimensional (180m x 180m), num espaço urbano anteriormente configurado pelo somatório de intervenções, estilos e tempos que lhe conferiam um carácter irregular e contraditório, estranho para a mentalidade iluminista.
Com uma intervenção desta simplicidade, penso que é possível recuperar o essencial desse gesto radical e refundador que gravuras antigas nos revelam como praça extraordinariamente unitária, de pavimento único, disponível para a população. Um terreiro pétreo entendido como espaço onde tudo pode acontecer, um vazio de pedra e luz.
Pedro Gadanho, arquitecto
Pensar o Terreiro do Paço é indissociável de pensar a Baixa pombalina como um todo.
Proponho apenas duas intervenções lineares que associam a recriação arborizada da Praça do Comércio à reestruturação das ruas da Prata e do Ouro através de dois parques de estacionamento lineares subterrâneos.
Estes parques constituem um dos grandes desafios de Engenharia da Lisboa de amanhã, mas permitem a reutilização intensiva da Baixa. Resolvem tanto o problema de estacionamento de habitantes,
comerciantes e visitantes, como a manutenção e o reforço das estruturas dos edifícios contíguos. Com entradas de carros pelos extremos das ruas e saídas de peões ao longo das mesmas, os parques lineares permitem que os novos utentes da Baixa estacionem perto do seu "quarteirão".
O Terreiro do Paço é delimitado por duas alamedas de árvores de folha caduca que prolongam naturalmente as referidas ruas - as únicas onde se manteria o atravessamento automóvel da Baixa no seu sentido longitudinal.
Criam-se assim dois espaços de utilização simbólica diferenciada na Praça do Comércio. A placa central abarca o conjunto adjacente de edifícios e retém a monumentalidade ligada ao arco triunfal da Rua Augusta. As áreas laterais, sombreadas e de escala mais humana, permitem o usufruto de esplanadas e outras actividades locais, lúdicas e turísticas. Os Boulevards assumem-se como eixos infra-estruturados com oferta de novos equipamentos urbanos: parques de bicicletas, quiosques, cabinas multimédia, acessos de parques, etc. É a vida devolvida à praça de referência de Lisboa.
30 anos é o tempo médio de discussão pública que um país como a Holanda dedica aos seus grandes projectos.
Carlos Nogueira, artista plástico
Proponho que seja absolutamente abolida a circulação de carros,
motos e bicicletas nas vias que
envolvem a Praça do Comércio.
e que se plantem muitos postes
com luzes para os dias de nevoeiro.
Proponho que se repavimente toda a praça numa cota nivelada pelo chão das arcadas de modo que, em caso de inundação, se possa passear de barco.
Proponho que se retire a portuguesa estátua equestre e se coloque no centro geométrico da praça uma escultura encomendada propositadamente a um artista internacional, segundo o critério e escolha de um crítico internacional.
P.S. A propósito, B.V. disse-me uma vez que "o humor é a boa educação do desespero".
Bruno Chialastri, Cecila Fossati, Chiara Cavalieri, Cristian D'Elia, Ester Stigliano, Filipe Cardoso, Georgina Mónica Lalli, Laura Barbarito, Mafalda Neuparth Sob orientação de Manuel Graça Dias + Egas José Vieira, com Ricardo Silva Carvalho, arquitectos
Esta proposta foi feita por um grupo de estudantes italianos e portugueses, sob a orientação de Manuel Graça Dias + Egas José Vieira (com Ricardo Silva Carvalho), durante um seminário na Universidade Autónoma de Lisboa.
No curto espaço do workshop, concentrámo-nos num único ponto de contacto de Lisboa com o rio, imaginando uma intervenção infra-estrutural suficientemente forte que pudesse vir a induzir relações e usos novos e diferentes conceitos para esse lugar da cidade.
Perante as mais recentes propostas de reanimação da Baixa pombalina, tem sobressaído a ideia da necessidade de corte de trânsito no eixo marginal, frente ao Terreiro do Paço, de modo a ultrapassar o incómodo viário na principal praça do país.
As várias soluções, contudo, limitam-se a propor a transferência desses fluxos para montante, para uma chamada "circular das colinas", reservando à Baixa uma utilização e um desfrute já só quase pedonal e turístico.
Propomos, com a nossa solução, conciliar a continuação da passagem viária pela zona com a diminuição da pressão automóvel no Terreiro do Paço: um viaduto ligeiro, paisagístico, doce, em curva suave, afasta-se da margem, surgindo da água a partir de dois túneis que, no Cais do Sodré e na Estação Sul-Sueste, mergulham misteriosamente o tráfego urbano no leito do rio.
A visão extraordinariamente poética é simultaneamente surreal e tecnológica: os carros saem e entram na água cumprindo um arco (de luz, à noite, e de cores e brilhos, durante do dia) ordenado com o desenho matemático da Baixa, com a visão proposta pela abertura do Terreiro do Paço sobre o Tejo, permitindo a manutenção do tráfego fluvial, cacilheiros e outros pequenos barcos em tracejado nervoso por sobre a água que cobre o túnel ou sob o viaduto em ponte.
Fonte:
http://jornal.publico.clix.pt/
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