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"Se quem tem mais desse um bocadinho a quem tem menos, o mundo era melhor. É tão simples"

PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS
Publicado a 21/02/2017, por Ana Sousa Dias

"Passou a vida a fotografar mas aos 50 anos atirou-se de cabeça a um projeto de solidariedade que se revelou um êxito: a Cozinha Popular da Mouraria. Agora chegou a Muita Fruta, ou o sonho de aproveitar a fruta dos quintais da cidade


É fotógrafa de profissão, vive na Mouraria e é presidente da associação Cozinha Popular. Por que se meteu nesta aventura?
Nem sei bem como as coisas começam. Quando comecei a ficar sem trabalho como fotógrafa jornalista.

Freelancer?
Sim, freelancer. Começaram as limpezas nas revistas e pensei que tinha de encontrar alguma coisa para a minha vida. Quando uma pessoa faz 50 anos, começa a pensar o que é que interessa verdadeiramente, de tudo o que fez até aí qual é o fim que se pode dar a isto. Nos últimos 15 anos o meu trabalho foi sempre dar à cozinha, acompanhei a evolução toda dos chefs, fotografei-os, fiz artigos com eles, viajei muito. A cozinha interessa-me desde pequena.


Aqui não põe as mãos na cozinha, tem um cozinheiro.
Temos o cozinheiro, a equipa da cozinha e temos muita gente que vem aqui cozinhar. A minha intenção aqui não é ser cozinheira, mas ganhei fama de boa cozinheira entre os amigos, porque sempre fiz muitos jantares em casa. Isto é uma extensão da casa. Sempre quis ter uma família grande e gostei de mesas com muita gente e muita vida. Tudo foi dar a este projeto. E há o lado de ajudar os outros, não no sentido da caridade mas de tentar melhorar a vida das pessoas, melhorar um bocadinho o mundo à nossa volta. Fazer alguma coisa. A minha vida não tem interesse, ou só tem interesse se eu achar que estou a fazer bem a alguém, no sentido de mostrar outros caminhos ou partilhar coisas que vi ou que vivi.

Paris: Transportes públicos gratuitos por 3 dias devido à poluição

por Sofia Fonseca, in Diário de Notícias, 13.03.2014
"O ministro da Ecologia de França, Philippe Martin, anunciou hoje que entre sexta-feira e domingo os diferentes meios de transportes públicos serão gratuitos na região de Paris, para combater a poluição do ar.
Esta medida faz parte do "dispositivo de emergência" decretado pelo governo francês face à elevada taxa de poluição registada na região de Paris há sete dias, e que hoje superou os 100 microgramas de partículas finas por metro cúbicos.
Nos próximos três dias, outros serviços serão oferecidos gratuitamente, como o de bicicletas públicas.
As autoridades municipais de Paris decidiram também limitar a utilização de veículos oficiais ao mínimo imprescindível.
No sábado será analisada a evolução dos níveis de poluição e, no caso de não ter descido, serão tomadas novas medidas."

Conduzir, não conduzir

Conduzir, não conduzir

in Diário de Notícias, 24 de Outubro, 2010

por FERNANDA CÂNCIO


"Há grupos no Facebook, 'chats' na Net, e até estudos sobre quem não guia, nunca guiou, nunca quis guiar. Deficiência social e óbice profissional, a falta de carta pode afinal ser um orgulho. Ou que remédio.
Num mundo em que ter carta e carro é rito de passagem para a idade adulta e símbolo de sucesso, quem escolhe não conduzir pode sentir-se uma aberração. Há quem tenha - ou arranje - resposta para o porquê, e quem nem se interrogue.
Preguiça, medo, trauma, recusa de crescer, aversão a máquinas, psicanalitiquices à escolha. Há estudos sobre isso, inquéritos, teorias. Um escritor britânico residente em Los Angeles, a cidade mais inimiga de peões dos EUA, país em que a carta de condução é bilhete de identidade oficial, escreve no LA Times: "Gastei milhares de dólares em terapia a tentar perceber; o meu psiquiatra fica todo excitado de cada vez que falamos disto. Diz: 'Chegaremos a algum lado quando percebermos de vez por que raio não guias.'" Richard Rayner - o nome do escritor - elenca as possibilidades. "Será medo? Terei assim tanta relutância de assumir o comando da minha vida? Li Pela Estrada Fora, de Kerouac, ok? Acham que não percebo que guiar, acelerar pela noite fora com o vento quente a despentear-nos o cabelo é uma imagem primordial da liberdade à americana, e que Los Angeles é o epicentro geográfico dessa ideia? Terei uma relutância edipiana em competir com o meu já desaparecido pai, um playboy que fazia corridas, dono de uma sucessão de Aston Martins e Lancias e sexys Jaguares, e que, um dia, quando tinha eu sete anos e estava ao lado dele num Minicooper, apontou para o velocímetro - passava dos 150 km/ hora -, tirou as mãos do volante e começou a cantar: 'Não temos bananas, não temos bananas hoje'? Sim, ponham uma cruz em todas as opções acima."
Conduzir, não conduzir: Alain Resnais poderia bem ter filmado uma história assim, depois de Smoking/No Smoking (1993). Aliás, tanto de comum entre dois temas aparentemente tão díspares. Diga-o o produtor de TV Pedro Curto, 48 anos, sócio de Piet Hein na CBV, por acaso um fumador inveterado. "A cidade está formatada para automobilista e não para peões. O maior pesadelo são os carros em cima dos passeios, mas sente-se a cada momento, no tempo de atravessamento dos semáforos, por exemplo, ou nas barreiras que fazem com que andes quilómetros porque não podes atravessar. E é-se tratado como maluco, com uma agressividade incrível, de cada vez que se protesta." Como os não fumadores no tempo em que em todos os lugares se fumava e se arrogava esse direito como absoluto - precisamente. "Ah, pois é, nunca tinha feito essa ligação." A analogia não se fica por aqui: o facto de alguém não fumar foi durante muito tempo visto como uma falta de sofisticação, de modernidade, uma falha social e cultural que suscitava condescendência piedosa ou aberto desprezo. Tal qual o que se passa com quem não guia. Com a agravante de poder ser, profissionalmente, um óbice. "As pessoas olham-te como um alien por não teres carta e carro. Perguntam: como é que és produtor sem carro? O que posso garantir é que nunca deixei de fazer uma coisa por não ter carro." Nem trabalho, nem férias, nem nada. "Quando me apetece ir para algum lado, Meco ou Alentejo, por exemplo, nunca me apetece ir sozinho, portanto... As pessoas têm o pensamento pindérico de que o carro dá estatuto socialmente."
Em alternativa, Pedro anda. Muito. "Quando tinha escritório nas Amoreiras ia todos os dias a pé para casa, que é em Alvalade. Ao andar a pé resolvem-se imensas coisas na cabeça. Penso muito melhor a andar. E gosto de me cruzar com as pessoas - tens muito mais noção do mundo real que se fores metido no carro. Costumo dizer que sou mais urbano que os semáforos, vivo muito a cidade." Quando não dá para ir a pé, o metro e o táxi são as opções. Com predominância para o primeiro: "Estou fascinado com o metro - é fantástico, barato, rápido, vais a ler, só tens vantagens."
A mesma sorte não tem Constança Cunha e Sá, jornalista, 52 anos. Editora de Política da TVI, vê-se, ela que vive no centro de Lisboa, a trabalhar em Queluz de Baixo, num lugar onde só se chega de automóvel. "Nunca tinha sentido falta, sempre me arranjei com os transportes públicos (gosto imenso de comboio e de metro). Agora sinto um bocado porque gasto uma fortuna em táxi. As coisas estão feitas - por exemplo a localização das empresas - presumindo que toda a gente tem carro. O que é, obviamente, um pressuposto errado. Fala-se muito na redução do transporte individual, mas está tudo pensado para quem tem." Uma discriminação também anotada nos espantos coleccionados ao longo da vida. "Sim, os não condutores são vistos como deficientes sociais. Só me lembro de uma reacção positiva. Fui ao Ministério dos Negócios Estrangei-ros falar com um diplomata e ele perguntou onde tinha arrumado o carro. Eu disse que não tinha, e ele: 'Ai que civilizado'."
Precisamente: há estudos por esse mundo fora para tentar perceber porque é que algumas pessoas não guiam... como pista para as melhores formas de desincentivar outras de guiar. A conclusão é de que resulta dar o máximo de informação sobre as desvantagens do automóvel - do que se gasta aos seus perigos, passando pelo stress de ter de encontrar lugar, de proteger o objecto de vandalismos e roubos, etc. O ex-jornalista António Tavares-Teles, 68 anos, atesta a justeza desta perspectiva. "É muito mais barato por exemplo andar de táxi. Quando eu vivia em Cascais - agora vivo em Vilamoura -, ia e vinha de táxi e um amigo disse: 'Porque não compras um carro e não pões um chofer?' E eu respondi: 'É o que tenho'. Se gasto mais? As pessoas quando andam de carro esquecem-se que têm de o pagar, do quanto ele se desvaloriza, da gasolina, do seguro, se bate, a revisão. E, veja, tenho um carro excelente, um Mercedes, com motorista - e faz-me recados, coisa que um carro sozinho não faria." A relação é de tal forma estreita que, garante, é convidado todos os anos para o jantar de Natal da empresa de táxis. "As únicas vezes em que sinto que o carro me faz falta é quando me apetece viajar sozinho e não posso. Sei lá, ir almoçar ao Fialho e não depender de ninguém. O carro tem as suas funções, haverá quem não possa viver sem carro, mas em Portugal isso correspondeu a uma ascensão social - tenho um certo desprezo por aquela pequena burguesia que começou a andar de chavinha." Acresce uma autodiagnosticada aversão a máquinas, que encontra eco em Helena Barros, 58 anos, directora de um colégio privado para crianças dos três aos dez. "Até a minha máquina de lavar só tem um programa para poder funcionar com ela. Nunca me sentei a um volante, nunca tive essa curiosidade. Mas, pensando nos motivos pelos quais recusei tirar a carta aos 20 e tal anos, quando todas as minhas amigas tiraram - haverá alguma razão, eu é que nunca a procurei, achava que era falta de interesse -, pode ser um bocado não querer ter mais uma responsabilidade, o medo de provocar um acidente, magoar, fazer mal aos outros." Ainda assim, confessa que de vez em quando, ao passar numa escola de condução, pensa em tentar. "Não posso dizer que me arrependa, mas acabo por me sentir um bocado dependente. Já pensei que se desse uma coisinha má ao meu marido ficava sem carro. Às vezes olho para os carros e penso, se tirasse a carta que carro guiaria. Gostava do Renault seis e do dois cavalos - uma vez o meu marido disse-me que tinha visto um à venda e ia comprar para eu aprender a guiar. Respondi: nem pensar."
Pode ser que, a partir de uma certa altura, aquilo que aconteceu como acaso se torne, face à estranheza, insistência e até aversão do mundo, uma resolução inabalável, um orgulho idiossincrático feito de hábito, preguiça e ironia. Constança, que em miúda até deu "umas voltinhas, na brincadeira", não se vê a inverter a marcha. "Desagrada-me a ideia das burocracias, das aulas... E não gosto mesmo de andar de carro; quando vou à frente sou daquelas que vai sempre a travar." Ri. E partilha o seu pesadelo cómico: "Tenho um sonho recorrente de que estou a guiar sem carta, a passar pela polícia e tudo - lá vou eu, sem saber bem o que estou a fazer." Pode ser isso, afinal: a consciência aguda do quanto é estranha essa simbiose, de que ninguém sabe muito bem o que faz atrás de um volante."

Fonte e imagem:
http://dn.sapo.pt/gente/interior.aspx?content_id=1692952